top of page
Buscar

A Experiência Deus - Reflexões a partir da Autobiografia "Minha Vida", de Lou Andreas-Salomé

“Deixe que a sua raiz / vá ao fundo de sua alma. / Sugue a seiva / da fonte infinita / de seu inconsciente / e / permaneça sempre verde.” (Poema Sono, D.W. Winnicott)

Hipótese de trabalho: se nos permitirmos deixar de lado preconceitos iniciais que possam surgir ao aproximarmos a psicanálise de questões ligadas a termos como “sagrado”, “religiosidade” e “espiritualidade”, encontraremos na obra de Lou Andreas-Salomé muitos pontos de intersecção com o pensamento de autores contemporâneos, como Winnicott, Bion, Ogden e, em especial, Michael Eigen.


A necessidade de uma forma de espiritualidade que não se baseie em ilusões ou projeções, mas na experiência direta e na conexão com a vida (experiência vivida), torna-se evidente na obra de Lou Andreas-Salomé. Ao longo de mais de cinquenta anos de produções filosóficas, artísticas e científicas sobre o tema – dos sermões escritos para o pastor Gillot, até a Autobiografia "Minha Vida" e os "Últimos Cadernos" – a autora propõe uma abordagem que integra a introspecção (intuitiva) e a conexão com o mundo exterior, superando a divisão entre o Eu-Profundo e a Natureza (spinoziana). Essa forma de espiritualidade não nega a vida, mas a celebra em sua totalidade, reconhecendo a beleza e o significado existencial de cada momento único.


Seja na autobiografia, ou nos muitos ensaios escritos sobre arte e espiritualidade, Lou argumenta que a verdadeira religiosidade não está em adorar um Deus distante e transcendente, mas em vivenciar a divindade na própria vida em cada momento de conexão "verdadeira" com o mundo ao nosso redor. Sua visão é fortemente influenciada pelo pensamento de Spinoza, nas palavras dela, “o filósofo da psicanálise”.


Essa visão integrada da vida e da morte, do Self e do Cosmos, do interior e do exterior, é o cerne da filosofia psicanalítica de Lou Andreas-Salomé. Ela propõe uma espiritualidade que não nega a vida, mas a celebra em sua totalidade, reconhecendo a beleza e a profundidade de cada momento criativo.


A arte, nesse sentido, torna-se uma forma de expressão “espiritualizada”, uma vez que captura a essência da vida e a transforma em algo tangível e compartilhável.

Lou Andreas-Salomé também enfatiza a importância do 'conviver' (Mitleben), que vai além da mera coexistência e envolve uma forma de "reconhecimento" (v. Winnicott e Honneth) com o outro e com o mundo. Essa conexão não é apenas emocional ou intelectual, mas também ética, pois implica em corresponsabilidade. O 'conviver' é, portanto, uma forma de espiritualidade prática, que se manifesta na ética do cuidado, na empatia (v. Ferenczi) e na busca por uma maior integração intrapsíquica e intersubjetiva.


Autora crítica das religiões tradicionais por criarem uma dicotomia entre o sagrado e o profano, entre o divino e o humano. Em vez disso, Lou nos apresenta uma ética-estética, onde o “sagrado” está presente no mundo, tanto sensorial quanto não-sensorial (intuitivo). Essa visão não nega a transcendência, mas a encontra na imanência da própria vida que se desdobra diante de nós. em associação, pensamos com a noção bioniana de "mente primitiva" e da noção psicanalítica de "fé" (v. Bion e Eigen).


Lou também reflete sobre o papel da modernidade e da ciência nessa “nova espiritualidade”. Ela reconhece os avanços trazidos pela racionalidade e pela tecnologia, mas alerta para os perigos de uma visão excessivamente materialista e fragmentada da realidade. Para ela, a ciência e a espiritualidade não são incompatíveis, mas complementares, pois ambas buscam compreender e celebrar a complexidade e a beleza da vida.


A verdadeira religiosidade não significa seguir dogmas ou rituais, mas em vivenciar (criativamente) a vida em sua plenitude, em conectar-se profundamente com o mundo e em buscar uma realização capaz de dar sentido à existência. Essa espiritualidade não é estática, mas dinâmica, sempre em transformação, assim como a própria vida.


Como inspiração, um trecho do filme 1900 – A Lenda do Pianista do Mar (Giuseppe Tornatore, 1998) ilustra um momento em que Eros, Self, arte, ciência e a noção salomesiana de Deus=Natureza se encontram ... e sonham.


Trecho do filme 1900 / A Lenda do Pianista do Mar (Giuseppe Tornatore, 1998)


Comments


bottom of page